O texto "As Caixas" é o resultado de um exercício de escrita
proposto pela Oficina Literária Tantas Letras! 2012.
Divagações de Ivan Leite
1 - No meio do caminho tinha uma caixa. Tinha uma caixa no meio do
caminho.
2 - Nunca me esquecerei de que desde que eu me entendo por gente,
sempre fui fascinado por caixas. A mais antiga imagem que tenho disso é de uma
foto da minha infância, onde estou segurando uma caixa-embalagem com meus
brinquedos preferidos.
3 - O escritor Rubem Alves escreveu sobre duas caixas essenciais à
existência do homem: a Caixa de Brinquedos e a Caixa de Ferramentas.
4 - Uma caixa de Tênis serve para guardar rascunhos incertos e tênis
também.
5 - As caixas vermelhas de Tênis Nike ® são as mais certas para
guardar rascunhos incertos, pois são fortes, resistentes e bonitas; coisas do
primeiro mundo!?
6 - Na loja de Caixas Pandora, o anúncio diz: “As melhores caixas
decoradas para guardar suas lembranças mais felizes”.
7 - Na caixa-embalagem guardava, de forma bem organizada, alguns
brinquedos que mais gostava: fubecas; miniaturas de índio americano; charrete
com cavalinhos; carrinhos; toquinhos de madeira e hominhos feitos de argila.
8 - Na Caixa de Brinquedos do Rubem Alves guardamos coisas que não nos
são utilitárias, mas que não podemos viver sem elas: as Artes plásticas, a
Dança, a Música, a Poesia, a Literatura e o teatro.
9 - A caixa Preta, que é laranja, do avião que cai, às vezes, é única
coisa que se mantém intacta entre tantas pessoas que não ficam tão intactas
assim.
10 - Caixão, última morada daquilo que damos de graça aos vermes.
11 - Na caixa de ferramentas do Rubem Alves guardamos tudo aquilo que
usamos como extensão de nosso corpo. Para a visão: óculos, binóculos e
telescópio Huble; para o paladar: garfo, faca e colher...; para a audição:
microfones, alto-falantes e caixas acústicas...; para o tato: luvas,
preservativos e roupas...; para o olfato: sabores e perfumes. Para escrever:
lápis, papel e borracha. Para o mundo alavancas.
12 - Caixas de sapatos são úteis, até, para guardar sapatos.
13 - Quando cresci mais um pouco, lembro que fiz uma caixinha de
madeira e pintei de azul. Consegui fazer isso observando durante toda minha
infância meu pai serrando e pregando. Meu pai era um carpinteiro de mão cheia,
caprichoso e profissional. Essa caixinha durante anos foi uma espécie de
orgulho pessoal, pois foi feita por mim, pelas minhas mãos e imitando o
capricho dele.
14 - O crescimento da economia de um país é observado pelos crescentes
pedidos de embalagens pelas empresas.
15 - Caixa-embalagem, Caixas e
embalagens são diferentemente iguais para a linha de produção das empresas de
um país.
16 - As caixinhas de música embalam sonos e sonhos de bailarinas.
17 - Quando vejo uma caixa, penso logo no vazio que ela contém e
naquilo que ela pode conter. Aí, me lembro de uma música do Gilberto Gil
chamada “Metáfora”. Nessa canção há um verso assim: “... quando o poeta diz
lata / Pode estar querendo dizer o incontível”. Acho que a ideia do incontível
cabe também às caixas, pois nelas cabem as saudades e as lembranças que seus
conteúdos trazem.
18 - Caixa ou lata, não importa o que o poeta diz, sempre caberão
nelas: conteúdos e vazios.
19 - Mãe, vó, bisavó sempre têm uma caixa com lembranças antigas.
Camafeus, cartas, cartões. Documentos de uma época que não volta mais.
20 - Psicologicamente deve existir uma explicação para esse meu
fascínio por caixas, mas não quero procurar bases psicológicas para isso, só
sei que gosto e ponto final.
21 - Pessoas que têm fascinação por caixas podem ser encaixadas no
grupo de pacientes de TOC.
22 - Não confunda TOC - Transtorno Obsessivo Compulsivo - com TOC -
Tenho Outra Caixa. São patologias totalmente iguais.
23 – A eminente psiquiatra Maria Conceição do Rosario-Campos disse em
seu artigo para a Revista Brasileira de Psiquiatria, em 2000, que a obsessão
por caixas reflete a necessidade que algumas pessoas têm em organizar coisas,
para que num momento adequado possam classificá-las, observando sua importância
e valor, para assim deixá-las lá definitivamente.
Ivan Leite – Santo André - 29.09.2012 – 10h19min – Primavera
(reescrito em 01.12.2012 com sugestões de Cristina Paiva e Reynaldo
Damazio)