sábado, 1 de dezembro de 2012

As Caixas

O texto "As Caixas" é o resultado de um exercício de escrita proposto pela Oficina Literária Tantas Letras! 2012.

Divagações de Ivan Leite

1 - No meio do caminho tinha uma caixa. Tinha uma caixa no meio do caminho.

2 - Nunca me esquecerei de que desde que eu me entendo por gente, sempre fui fascinado por caixas. A mais antiga imagem que tenho disso é de uma foto da minha infância, onde estou segurando uma caixa-embalagem com meus brinquedos preferidos.

3 - O escritor Rubem Alves escreveu sobre duas caixas essenciais à existência do homem: a Caixa de Brinquedos e a Caixa de Ferramentas.

4 - Uma caixa de Tênis serve para guardar rascunhos incertos e tênis também.

5 - As caixas vermelhas de Tênis Nike ® são as mais certas para guardar rascunhos incertos, pois são fortes, resistentes e bonitas; coisas do primeiro mundo!?

6 - Na loja de Caixas Pandora, o anúncio diz: “As melhores caixas decoradas para guardar suas lembranças mais felizes”.

7 - Na caixa-embalagem guardava, de forma bem organizada, alguns brinquedos que mais gostava: fubecas; miniaturas de índio americano; charrete com cavalinhos; carrinhos; toquinhos de madeira e hominhos feitos de argila.

8 - Na Caixa de Brinquedos do Rubem Alves guardamos coisas que não nos são utilitárias, mas que não podemos viver sem elas: as Artes plásticas, a Dança, a Música, a Poesia, a Literatura e o teatro.

9 - A caixa Preta, que é laranja, do avião que cai, às vezes, é única coisa que se mantém intacta entre tantas pessoas que não ficam tão intactas assim.

10 - Caixão, última morada daquilo que damos de graça aos vermes.

11 - Na caixa de ferramentas do Rubem Alves guardamos tudo aquilo que usamos como extensão de nosso corpo. Para a visão: óculos, binóculos e telescópio Huble; para o paladar: garfo, faca e colher...; para a audição: microfones, alto-falantes e caixas acústicas...; para o tato: luvas, preservativos e roupas...; para o olfato: sabores e perfumes. Para escrever: lápis, papel e borracha. Para o mundo alavancas.
12 - Caixas de sapatos são úteis, até, para guardar sapatos.

13 - Quando cresci mais um pouco, lembro que fiz uma caixinha de madeira e pintei de azul. Consegui fazer isso observando durante toda minha infância meu pai serrando e pregando. Meu pai era um carpinteiro de mão cheia, caprichoso e profissional. Essa caixinha durante anos foi uma espécie de orgulho pessoal, pois foi feita por mim, pelas minhas mãos e imitando o capricho dele.

14 - O crescimento da economia de um país é observado pelos crescentes pedidos de embalagens pelas empresas.

15 -  Caixa-embalagem, Caixas e embalagens são diferentemente iguais para a linha de produção das empresas de um país.

16 - As caixinhas de música embalam sonos e sonhos de bailarinas.

17 - Quando vejo uma caixa, penso logo no vazio que ela contém e naquilo que ela pode conter. Aí, me lembro de uma música do Gilberto Gil chamada “Metáfora”. Nessa canção há um verso assim: “... quando o poeta diz lata / Pode estar querendo dizer o incontível”. Acho que a ideia do incontível cabe também às caixas, pois nelas cabem as saudades e as lembranças que seus conteúdos trazem.

18 - Caixa ou lata, não importa o que o poeta diz, sempre caberão nelas: conteúdos e vazios.

19 - Mãe, vó, bisavó sempre têm uma caixa com lembranças antigas. Camafeus, cartas, cartões. Documentos de uma época que não volta mais.

20 - Psicologicamente deve existir uma explicação para esse meu fascínio por caixas, mas não quero procurar bases psicológicas para isso, só sei que gosto e ponto final.

21 - Pessoas que têm fascinação por caixas podem ser encaixadas no grupo de pacientes de TOC.

22 - Não confunda TOC - Transtorno Obsessivo Compulsivo - com TOC - Tenho Outra Caixa. São patologias totalmente iguais.

23 – A eminente psiquiatra Maria Conceição do Rosario-Campos disse em seu artigo para a Revista Brasileira de Psiquiatria, em 2000, que a obsessão por caixas reflete a necessidade que algumas pessoas têm em organizar coisas, para que num momento adequado possam classificá-las, observando sua importância e valor, para assim deixá-las lá definitivamente.

Ivan Leite – Santo André - 29.09.2012 – 10h19min – Primavera

(reescrito em 01.12.2012 com sugestões de Cristina Paiva e Reynaldo Damazio)